Saindo da estação, Kyoto recebe-nos de braços abertos, acolhendo-nos na sua escala humana, na sua dimensão terrena. Tudo ali parece falível e desprovido da eficiência mecânica e do ritmo matemático a que Tokyo nos habituou. Sim, esta é uma cidade profundamente imperfeita, parecendo, em certos pontos, rebentar pelas costuras, beirando perigosamente o caos.
E no entanto vemos brotar, de forma surpreendente, exemplos de uma perfeição rara de alcançar, qual singularidade que confirma a regra geral. É assim quando nos deparamos pela primeira vez com a beleza ímpar do Pavilhão Dourado ou quando, percorrendo os salões do castelo de Nijo, escutamos o chilrear dos rouxinóis com que o chão devolve os nossos passos. Mas talvez não seja possível perceber a relação entre o trivial e o divino antes de subir ao Templo de Kiyomizu-dera. Talvez essa coexistência não seja inteiramente perceptível sem aquela vista da imperfeição urbana da cidade, enquadrada pela perfeição avassaladora do colossal templo de madeira e da exuberante natureza que o envolve. Talvez seja esse, afinal, o propósito de Kyoto, o de nos dar raros vislumbres de perfeição num mundo naturalmente imperfeito.
Kyoto, 1 de Maio de 2024